Por Igor Carvalho e Glauco Faria
Da Revista Fórum
Com presença em 23 estados, além do Distrito Federal, e com mais 900 assentamentos que abrigam 150 mil famílias, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) completou 30 nesta semana.
Criado em um encontro nacional que reuniu 80 trabalhadores do campo
em Cascavel, no Paraná, em 22 de janeiro de 1984, o movimento já
realizou, ao longo de sua história, mais de 2,5 mil ocupações,
acumulando duas mil escolas instaladas em assentamentos, além de outras
conquistas como acesso a crédito para a produção.
Em entrevista exclusiva à Fórum, João Pedro Stedile, membro da
coordenação nacional do MST, falou sobre os novos rumos do movimento e
da luta no campo.“
Os parâmetros das mudanças propostas pela reforma agrária popular
significam reorganizar os bens da natureza e a produção agrícola para,
em primeiro lugar, produzir alimentos sadios para todo o povo.
Produzir com base na matriz da agroecologia, em equilíbrio com a
natureza e sem o uso de venenos agrícolas. Implementar agroindústrias na
forma de cooperativas, para beneficiar os alimentos e aumentar a renda
dos trabalhadores do campo”, aponta.
Stedile também criticou o atual ritmo das desapropriações de terra no
Brasil. “No governo Dilma, esse processo está totalmente paralisado,
fruto de uma correlação de forças mais adversa, pela base social e
política que compõe o governo, e por uma incompetência operacional
impressionante dos setores que atuam no governo.” Confira a íntegra da
entrevista a seguir.
Fórum – Nestes 30 anos, bancada ruralista e parte da mídia
tradicional combateram, às vezes de forma pouco sutil, o MST. Como o
senhor vê a atuação desses dois grupos?
João Pedro Stedile – O capital está adotando um
modelo de exploração da agricultura que se chama agronegócio. Nesse
modelo, há uma nova aliança das classes dominantes, que aglutina os
grandes proprietários, as empresas transnacionais e a mídia burguesa.
Eles usam todos os seus instrumentos, como o Poder Judiciário e o
Congresso, para defender sua proposta, desmoralizar a reforma agrária e
toda luta social no campo.
Fórum – Boa parte da estagnação e dos retrocessos na questão
agrária estão relacionados não apenas ao Executivo, mas também ao
agronegócio, muito representado no Congresso Nacional. Nesse sentido, o
senhor entende que é essencial uma reforma política? Quais pontos
seriam fundamentais para serem mudados?
João Pedro Stedile – O Brasil vive uma crise
política. Crise política no sentido de que o povo e a classe
trabalhadora não têm controle sobre os que deveriam ser seus
representantes nas esferas políticas do Estado.
Essa distorção se dá pelo financiamento privado das campanhas
eleitorais, cada vez mais caras, e pela manipulação ideológica do
monopólio dos meios de comunicação, sobretudo pela televisão.
Assim, os eleitos respondem apenas aos interesses da classe que os
financia, em vez daqueles que votaram neles. É preciso mudar as regras
da política, para voltarmos a ter uma democracia representativa séria em
que o povo possa acreditar.
Então, a reforma política é para modificar muitos aspectos desse
processo, e vai desde a forma de escolher os candidatos, de financiar as
campanhas, os compromissos, os tempos de mandato e o direito do povo de
convocar por conta própria plebiscitos populares para julgar questões
candentes, até revogar mandatos de eleitos que descumprirem os
compromissos assumidos com o povo.
Porém, esses detalhes da reforma política, que não estão claros para
todos ou mesmo não tendo unidade entre as forças populares, precisam ser
aprofundados, justamente num amplo debate político com a população.
Por isso, estamos articulados numa ampla plenária de todos os
movimentos sociais brasileiros que tiraram como missão comum realizar
neste ano um grande mutirão para debater com a população que tipo de
problemas temos na política e que tipo de reforma precisamos fazer.
Na semana do 7 de setembro, vamos realizar um plebiscito popular para
que a população vote se é necessário ou não convocar uma Assembleia
Constituinte, soberana e exclusiva para implementar uma reforma
política. Essa será nossa tarefa nos próximos meses.
Fórum – O congresso nacional do MST, em 2014, falará sobre o
programa Reforma Agrária Popular, construído internamente pelo
movimento. Como o movimento vai se organizar para enfrentar o
agronegócio?
João Pedro Stedile – O agronegócio é um modelo de
produção agrícola do capital, que exclui a população. Constitui uma nova
classe dominante, mais forte e mais complexa.
Daqui em diante, as mudanças no campo, para a construção de um novo
modelo agrícola que produza alimentos sadios, que não agrida a natureza,
que distribua renda e represente desenvolvimento para nosso povo,
depende de uma aliança de toda classe trabalhadora. Por isso, nossas
táticas devem incluir a aliança com a classe trabalhadora na cidade, com
os jovens e todos os movimentos sociais urbanos.
Fórum – Antigamente, o que se via no MST era prioritariamente
a busca pela distribuição de terra. Hoje, há uma preocupação, também,
com a infraestrutura dos assentamentos e por acesso à tecnologia na
produção agrícola. A defesa do meio ambiente, pensando em modelos de
produção que não sejam agressivos à natureza, é a próxima bandeira do
movimento?
João Pedro Stedile – Exatamente. Houve uma mudança
nos últimos anos em nosso programa agrário e construímos o que chamamos
de proposta de reforma agrária popular.
No período anterior, dominado pelo capitalismo industrial, havia
ainda a possibilidade de uma reforma agrária do tipo clássico, que
representava democratizar a propriedade da terra e integrar o
campesinato nesse processo.
Porém, agora a economia mundial é dirigida pelo capital financeiro e
internacionalizado. No campo, esse modelo implementou o agronegócio, que
exclui e expulsa os camponeses e a mão de obra do campo.
Agora, não basta apenas distribuir terra, até porque o processo em
curso é de concentração da propriedade da terra e desnacionalização.
Os parâmetros das mudanças propostas pela reforma agrária popular
significam reorganizar os bens da natureza e a produção agrícola para,
em primeiro lugar, produzir alimentos sadios para todo o povo.
Produzir com base na matriz da agroecologia, em equilíbrio com a
natureza e sem o uso de venenos agrícolas. Implementar agroindústrias na
forma de cooperativas, para beneficiar os alimentos e aumentar a renda
dos trabalhadores do campo.
E incluir a democratização da educação como uma necessidade do
desenvolvimento social. Não se pode admitir que ainda tenhamos 18
milhões de trabalhadores adultos analfabetos, e a maioria está no campo.
Fórum – O senhor falou, recentemente, da união de forças
entre MST e a população indígena. Acredita que, unindo forças com os
índios, a luta por terra ganharia outra dimensão no país?
João Pedro Stedile – A classe trabalhadora tem de
defender a causa indígena. Os povos indígenas vem sendo massacrados pela
ofensiva do capital, que quer também suas terras e riquezas, em
especial na fronteira econômica do agronegócio, como Mato Grosso do Sul,
sul da Bahia e Maranhão.
Os povos indígenas, apesar deterem seus direitos garantidos pela
Constituição, são minoritários e não têm força de, sozinhos, enfrentarem
o poder do capital. Por isso, renovo o apelo: que todo o povo, em
especial os setores organizados da classe trabalhadora, defendamos os
povos indígenas.
É uma forma, inclusive, de pagamento da nossa dívida histórica, com
os nossos avós históricos, que sempre foram os zeladores da natureza
para que chegássemos aonde estamos.
Fórum – Estamos em um ano eleitoral. Como o MST irá se posicionar nessas eleições?
João Pedro Stedile – O MST tem uma tradição
histórica de nunca se posicionar enquanto movimento social por um ou
outro candidato. Sempre nos posicionamos em torno da necessidade de
defender projetos populares.
Procuramos conscientizar a nossa base, para que tenha visão política e
vote nos candidatos e projetos que representam os interesses do povo e
derrotem os setores direitistas. Esse comportamento individual, como
cidadão consciente, vai se manter nas próximas eleições.
Fórum – De que forma o senhor vê a evolução da reforma agrária nos governos Lula e Dilma?
João Pedro Stedile – A reforma agrária, do ponto de
vista conceitual, é um amplo programa de Estado que consegue
democratizar o acesso à terra e eliminar o latifúndio, como está até na
nossa lei.
Porém, nunca houve reforma agrária no Brasil. Nós tivemos apenas
programas pontuais de criação assentamentos, frutos da luta direta e da
pressão social, que obriga os governos a desapropriar algumas fazendas e
as transformarem em assentamentos.
No governo Lula, ainda se manteve um ritmo razoável de
desapropriações pontuais, embora parecido com o governo FHC. No governo
Dilma, esse processo está totalmente paralisado, fruto de uma correlação
de forças mais adversa, pela base social e política que compõe o
governo, e por uma incompetência operacional impressionante dos setores
que atuam no governo.
Não me canso de dar um exemplo que chega a ser patético: a presidenta
Dilma se comprometeu com o movimento de assentar as famílias sem terra
do Nordeste nos perímetros irrigados de projetos do governo.
Existem atualmente 86 mil lotes vagos em projetos antigos, onde o
governo já investiu milhões, tem água e terra. Basta levar as famílias. E
nada acontece. Ou seja, poderíamos assentar imediatamente 86 mil
famílias em área irrigada, com garantia de produção que resolveria a
situação de grande parte dos acampamentos do Nordeste.
Fórum – Há uma expectativa sobre como vão se
comportar os movimentos sociais durante a Copa do Mundo no Brasil. O
MST irá às ruas? Qual a posição do movimento em relação ao Mundial?
João Pedro Stedile – Há muitos setores sociais da
juventude que certamente vão se mobilizar. Estaremos juntos com todas as
mobilizações que representem lutas por melhores condições de vida de
nosso povo.
O lugar privilegiado do povo é fazer política com mobilização nas
ruas. Somente pela mobilização poderemos alcançar mudanças. Elas nunca
virão do Congresso ou pela vontade iluminada de governantes.
Porém, espero que as mobilizações comecem logo. Não necessitemos
casar a luta por melhores condições de vida com o período da Copa. No
período da Copa, corremos o risco do povo em geral não gostar e não
aderir. Todos queremos ver a Copa e, por outro lado, corremos o risco de
reduzir as mobilizações a denúncias do valor das obras.
Cá entre nós, mesmo os valores exagerados gastos em algumas obras e
reformas representam muito pouco perto dos bilhões repassados pelo
governo todo dia no pagamento dos juros aos banqueiros.
Nossa luta deve ser para que os recursos públicos, hoje reservados
pelo supervit primário para pagamento dos juros – que só engordam os
especuladores e o capital financeiro – sejam destinados para
investimentos necessários em educação, saúde, transporte público e
reforma agrária.