Por Najla Passos
Da Carta Maior
O Movimento dos
Trabalhadores Sem-terra (MST) se prepara para realizar seu 6º Congresso,
de 10 a 14/2, em Brasília, com um horizonte de desafios tão grande
quanto os que marcaram sua fundação, há 30 anos. Naquela época, a
prioridade era organizar, na luta pela reforma agrária e pelo fim do
latifúndio improdutivo, a grande massa de trabalhadores pobres,
recém-expulsa do campo pelas políticas ditas modernizadoras da
ditadura. Hoje, é requalificar a luta histórica pela terra em um país
no qual a combinação da mais oferta de emprego na cidade e políticas
sociais se sobrepôs à reforma agrária como opção política para combater a
pobreza, condenando esta última à invisibilidade.
“A questão
luta pela terra hoje está fora da pauta da sociedade e do governo. Está
cooptada por muitos intelectuais que acham que a reforma agrária e a
luta pela terra não existe mais. Portanto, a luta pela terra está
despolitizada. Ela tem acontecido, seja a luta dos indígenas, dos
quilombolas, dos pescadores, a nossa luta. Mas está escondida, abafada”,
afirma Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST.
De
acordo com ele, apesar do MST ter garantido assentamento a 350 mil
famílias nestes 30 anos, a necessidade da reforma agrária continua
atual, porque a alta concentração fundiária no campo brasileiro não se
alterou e, mais grave, o capital internacional domina uma área cada vez
maior, ameaçando áreas indígenas e quilombolas. Dados do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) apontam que há, no
país, 186 mil famílias acampadas aguardando assentamento, cerca de 100
mil delas pertencentes aos quadros do MST.
O dirigente reconhece
que o volume de ocupações diminuiu, mas atribui o fenômeno menos a
desarticulação do movimento do que as pressões da conjuntura. “As
famílias vão ficar esperando mais 10 anos para serem assentadas ou vão
buscar trabalho nas obras do PAC?”, questiona. E atesta que o MST vem
mantendo a mobilização no campo, embora elas não encontrem eco na
sociedade. “No abril vermelho do ano passado, foram 95 trancamentos de
rodovias, por mais de 20 minutos. Nós quase paramos o Brasil, mas isso
não virou notícia. A luta do MST não é mais notícia”, denuncia.
De
acordo com ele, colabora especialmente para esta “invisibilidade” da
luta pela terra o papel desempenhado pela mídia convencional no que ele
chama de aliança do agronegócio. “É um movimento muitíssimo articulado. A
composição da aliança do agronegócio é formada por transnacionais, com o
dinheiro da financeirização, pelo latifúndio no Brasil abrindo espaço,
pelo Congresso Nacional, onde a bancada ruralista possui mais de 200
representantes e o MST apenas dois deputados, pelo Judiciário, no qual
adormecem processos referentes à desapropriação de 200 mil hectares de
terra, e por essa mídia, com as bênçãos do governo federal”, afirma.
As críticas ao governo Dilma
Na
avaliação do movimento, a inoperância do atual governo é crucial para o
impasse vivido pela reforma agrária. No último ano do governo Lula, 55
mil famílias foram assentadas no país. No governo Dilma, os dados
oficiais apontam 21 mil em 2011, 22 mil em 2010 e 30 mil no ano passado.
Mas o MST contesta os números de 2013. Segundo o movimento, foram
apenas sete mil novos assentamentos: o restante foi regularização
fundiária de áreas da Amazônia e realocação de novas famílias em lotes
vagos. “A reforma agrária vive hoje, no governo Dilma, seu pior
momento. São resultados muito inferiores aos do governo Lula, o que mais
assentou famílias, e mesmo aos do governo Fernando Henrique Cardoso, o
que mais destinou áreas à reforma agrária”, comparou o dirigente.
As
críticas atingem também às políticas públicas para o campo. A
qualificação dos assentamentos prometida pela presidenta, na avaliação
do MST, não se concretiza.
“Há assentamentos criados por FHC que
ainda não tem casa ou energia elétrica”, denuncia Conceição. O dirigente
observa ainda que, enquanto crescem os subsídios para as multinacionais
e o perdão das dívidas dos grandes latifundiários, os recursos para a
reforma agrária são cada vez mais burocratizados e difíceis de serem
acessados.
A maior ameaça, porém, é o que o movimento classifica
de “privatização da reforma agrária”: a titularização definitiva de
famílias assentadas, que transfere as terras públicas às mãos privadas,
respaldada pelo governo Dilma no final de 2013.
“Em toda a sua
história, entre projetos de colonização e reforma agrária, o Incra
regularizou cerca de 10% de toda a terra do país. E, com a
titularização, toda esta terra pode voltar ao mercado”, explica ele.
Para o MST, a terra destinada à reforma agrária deve ser uma concessão
de uso real, entregue às famílias para usufruto e passadas de geração a
geração, mas jamais privatizadas.
Expectativas e novas estratégias
As
expectativas para o Congresso do MST são tão grandiosas quanto é
possível esperar do maior movimento de massas do país: 15 mil delegados
de 23 estados, de 700 a 1000 crianças sem-terrinha, 250 convidados
internacionais. Na grade da programação, discussões internas se misturam
a palestras de lideranças do MST, intelectuais, sempre com a
participação de representantes de outros movimentos sociais, centrais
sindicais, partidos políticos, organizações da sociedade civil.
Uma
feira de produtos orgânicos e agroecológicos, que será instalada no
local do evento, o ginásio Nilson Nelson, pretende mostrar à sociedade
os benefícios de uma reforma agrária popular e bem conduzida. Também
estão programados atos públicos, marchas e manifestações para o período.
“Nosso congresso tem caráter massivo, já que esperamos reunir mais de
17 mil pessoas, de estudo, porque vamos aprofundar o debate político, e
de luta, que é a natureza do MST”, resume.
A palavra de ordem já
foi definida: “Lutar e construir uma reforma agrária popular”. Uma
mudança de rumo significativa em relação à do último congresso,
realizado em 2007, que defendia “Reforma agrária para justiça social e
soberania alimentar”.
Segundo Conceição, a grande aposta é redefinir
as novas bases da luta pela terra, a partir de uma aliança unitária com
outros movimentos camponeses, além de indígenas, quilombolas,
pescadores, extrativistas.
“Nós queremos recuperar aquilo que
aconteceu em 1962, no 1º Congresso de Lavradores, em Belo Horizonte,
onde foram tiradas as bases da reforma agrária, das reformas de bases
que o presidente Jango [João Goulart], logo em seguida, foi ao Rio de
Janeiro anunciar, mas foi impedido de realiza-las pelo golpe que deu
início à ditadura”, explica ele.