Caso
contrário, diz, "as mobilizações voltarão com mais força e mais
radicais".
Segundo
ele, a rejeição dos jovens manifestantes aos partidos é normal. "Qualquer
pessoa que assiste todos os dias a forma como agem os partidos fica
indignada."
Folha -
Que balanço o sr. faz das manifestações?
João
Pedro Stedile - Foram
muito positivas, porque trouxeram a juventude de volta às ruas. Estão
oxigenando a política, inclusive, nos salões palacianos e no Congresso. No
início, foram motivadas pela indignação de uma parcela da juventude e pela
esperteza do Movimento Passe Livre, que se aproveitou desse sentimento para
mobilizar. Teve a contribuição da visão medíocre do governo Alckmin, que,
acostumado a baixar o pau na população, como fez em outros despejos, conseguiu
jogar gasolina nos protestos.
Elas são
um divisor de águas? O que muda a partir de agora?
Desde as
"Diretas-Já", não tínhamos mobilizações tão expressivas e em todo
país. Por isso, elas são de fato uma retomada das ruas como espaço de fazer
política. No entanto, o que vai acontecer daqui para diante ainda está em
disputa. A direita quer apenas pautar temas atrasados ou de pouca relevância,
para que não tenha mudança nenhuma e para apenas desgastar o governo Dilma e
colher os frutos na eleição de 2014.
De parte
da classe trabalhadora, há necessidade dela também vir para a rua e colocar em
pauta as reformas econômicas e políticas, que os governos Lula e Dilma não
tiveram capacidade de fazer pelas alianças partidárias esdrúxulas dentro de um
sistema político que precisa de uma profunda reforma.
Quais
atores ganham e quais perdem com esses protestos?
Quem
perdeu foram aqueles que fazem política tradicional, conservadora, reacionária,
de tudo ser no toma lá, dá cá. A Rede Globo, que se achava toda poderosa,
perdeu, porque a única palavra de ordem que unificou a juventude em todo país
foi "fora, Rede Globo", uma vez que a juventude tem se informado pela
internet e pelas redes sociais, não dando bola para televisão. Quem ganhou foi
a juventude e o povo brasileiro. Tomara que o governo Dilma acorde e se
sintonize cada vez mais com os interesses da população.
Como
interpreta os protestos que terminaram em violência?
Ninguém
de sã consciência vai para uma passeata para ter violência. Esses episódios
sempre ocorrem com a conjugação de vários fatores. Primeiro, o despreparo da
Polícia Militar, que sempre trata o povo como inimigo, apesar de cada um dos
soldados ser gente do povo. Onde houve diálogo da PM com os manifestantes não
houve violência. Segundo, houve grupos fascistas, em especial em São Paulo e no
Rio, que planejaram e foram para as passeatas para gerar caos e pânico.
O sr.
acredita que, em meio ao quebra-quebra, exista o ingrediente da revolta da
população mais excluída, e não ações de vândalos simplesmente?
Não
acredito que a população indignada use a violência. O povão gosta de xingar,
dizer nome feio, mas é contra o uso de violência, de quebra-quebra e saques.
Nessas situações, o povo respeita o patrimônio público.
Como o
sr. avalia essa rejeição aos partidos em meio aos protestos? É uma rejeição
"a" partidos ou especificamente a "esses" atuais partidos?
Essa
juventude nasceu durante a implementação do neoliberalismo, na década de 90, e
rejeita a forma de fazer política a partir desse período. Ela não é apolítica
nem contra a organização partidária. Mas qualquer pessoa que assiste todos os
dias a forma como agem os partidos fica indignada com a submissão às grandes
empresas, as trocas de votos por emendas, as disputas por cargos, as disputas
internas nos partidos.
Precisamos
urgentemente mudar a forma de fazer política no Brasil e enterrar essas
práticas. Por isso, a reforma política é fundamental. É fundamental, em meio a
essas mobilizações, criar novos mecanismos de participação popular nos destinos
do país. Se não houver mudanças nesse sentido, tenho certeza que as
mobilizações voltarão com mais força e mais radicais.
Movimentos
sociais, indígenas e sindicatos têm reclamado da falta de diálogo com o governo
Dilma. O governo tem falhado? Por quê?
O governo
Dilma é um governo de composição de classes. Infelizmente, no último período, o
governo tem priorizado apenas os interesses da burguesia e relativizado os
interesses da classe trabalhadora. Basta ver a pauta que o governo prioriza. De
um lado, propõe leilões de petróleo, liberação de outorgas de mineração para o
grande capital, terceirização dos direitos trabalhistas, dinheiro do BNDES para
grandes empresas. Para a classe trabalhadora: pão e água.
A reforma
agrária está paralisada, a legalização das áreas indígenas e quilombolas está
paralisada e, em alguns casos, essas disputas são tratadas com repressão, como
a Policia Federal fez em Mato Grosso do Sul. É claro que, uma hora dessas, essa
contradição de classes estoura no governo ou nas ruas.
Esse
diálogo piorou em relação ao governo Lula?
Não é uma
questão de diálogo. Diálogo você pode ter o tempo inteiro. O problema é a
disputa de interesses de classe e força de cada classe para pressionar o
governo. Até agora, os empresários tinham mais força no governo. Agora, espero
que a voz das ruas represente uma força popular que faça o governo implementar
políticas a favor da classe trabalhadora.
O MST
defende o "volta Lula"?
O
governos são apenas espelho da correlação de forças na sociedade. Nós
defendemos um projeto popular para o país. O que o Brasil precisa é debater na
sociedade um projeto que represente a soberania nacional e popular para
resolver os problemas do povo. Não podemos mais aceitar um país rico, que é a
sétima economia do mundo, com tanta desigualdade social. Com salários tão
baixos, sem democratizar a terra e os meios de comunicação.
O povo
vive em moradias com condições ruins, gasta 40% da renda com aluguel, não têm
transporte público de qualidade, não tem atendimento de saúde, padece nas filas
do SUS e os filhos não aprendem nas escolas públicas. Enquanto isso, o capital
estrangeiro vem aqui explorar o nosso petróleo, nossos minérios, nosso etanol e
nossa agricultura, aliados com uma burguesia brasileira submissa, que nunca
pensou o Brasil como nação.
As
cidades estão fervendo e o campo parece adormecido, com exceção dos indígenas.
Quais as razões para isso?
Nas
grandes cidades, há uma crise urbana instalada pela especulação imobiliária que
elevou em 150% os preços dos imóveis e terrenos nos últimos três anos. Não há
transporte público de qualidade e falta atendimento de saúde e educação. Há uma
grande aglomeração de pessoas nesse inferno do cotidiano, então a juventude
resolveu enfrentar e dar um tapa no diabo.
Mas a
classe trabalhadora ainda não se mexeu. Já no campo, estamos ainda sofrendo o
refluxo do movimento de massas, que vem desde 2005, pela hegemonia do capital,
que tomou conta da agricultura e impôs o modelo do agronegócio. Mas suas
contradições e consequências começam a aparecer. Ou seja, a concentração da
propriedade da terra, das usinas, da produção em apenas três produtos (soja,
cana e gado) começa a aparecer. Logo outros setores da população do campo
começarão a se mexer.
Como
economista, como vê as recentes ações do governo diante de inflação pressionada
e PIB estagnado?
O que
está acontecendo é resultado de uma economia cada vez mais dependente do
capital internacional. O Brasil está cada vez mais refém das politicas dos
governos centrais e da ação do capital internacional sobre a economia. Por
outro lado, o governo federal com sua composição de classes não tem forças e
unidade suficiente para implementar políticas econômicas nacionalistas, que
protejam nosso trabalho e nossa riqueza, porque também não tem um projeto claro
de país.
Por
Eduardo Scolese, da Agência Folha, 2 de
julho de 2013.
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