Segundo
pesquisa divulgada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT),
nesta terça-feira (10), a maioria da população brasileira é favorável à
contratação de médicos estrangeiros por meio do Programa Mais Médicos.
Das 2.002 pessoas entrevistas, 73,9% apoiam o programa e 49,6% delas
acreditam que ele solucionará problemas graves relacionados à saúde no
país.
No entanto, demonstrações de xenofobia, racismo e
preconceito reverberaram nas últimas semanas, após a chegada de centenas
de médicos estrangeiros, dentre eles 400 cubanos que irão participar do
programa por meio do acordo entre o Ministério da Saúde e a Organização
PanAmericana de Saúde (Opas). Os recentes episódios demostraram que as
críticas ao programa ultrapassam a questão da saúde pública e chegam ao
campo político e ideológico.
Acostumados a trabalhar em zonas de
conflito ou países com baixo IDH na América Latina, África e Ásia, 96
médicos, na sua grande maioria cubanos que haviam acabado de participar
do primeiro dia do curso de formação sobre o Sistema Único de Saúde
(SUS), em Fortaleza (CE), foram rechaçados por dezenas de médicos
brasileiros. Foram gritos, xingamentos e vaias.
O fato ganhou
massiva divulgação por dezenas de veículos de comunicação e nas redes
sociais através da foto de um médico cubano negro sendo vaiado por
médicas jovens, o que levantou a discussão do racismo contra os cubanos.
Na mesma semana, a jornalista do Rio Grande do Norte, Micheline Borges,
também causou enorme tumulto nas discussões acerca do assunto. Em sua
página pessoal do Facebook ela declarou de modo pejorativo que as
médicas cubanas pareciam “empregadas domésticas”. Tamanha foi a
repercussão negativa que a jornalista excluiu sua conta na rede social.
Contra os cubanos
Estes
e outros episódios colaboraram para pautar algumas reflexões e
contradições na aversão por parte de alguns dos médicos brasileiros e
entidades de classe, como o Conselho Federal de Medicina (CFM), à
imigração dos médicos. Uma das reflexões é que as ações preconceituosas
se restringem, na maioria das vezes, aos cubanos e não ao programa em
si.
A nota da CFM, por exemplo, expõe de forma clara seu
posicionamento contrário à vinda específica dos médicos cubanos. Para a
entidade, o anúncio da chegada de médicos da ilha caribenha é
“eleitoreiro, irresponsável e desrespeitoso”.
A nota também
coloca em dúvida a qualidade da medicina do país de Fidel Castro e
condena “de forma veemente a decisão irresponsável do Ministério da
Saúde que, ao promover a vinda de médicos cubanos sem a devida
‘revalidação’ de seus diplomas e sem comprovar domínio do idioma
português, desrespeita a legislação, fere os direitos humanos e coloca
em risco a saúde dos brasileiros, especialmente os moradores das áreas
mais pobres e distantes”.
Para o CFM, embora os dados do
Ministério da Educação (MEC) comprovem que os médicos formados em Cuba
foram os mais aprovados no Exame Nacional de Revalidação de Diplomas
Médicos (Revalida) em 2011 e 2012, os médicos e a medicina cubana ainda
não são confiáveis.
Já para o Ministério da Saúde, os médicos
cubanos não precisam prestar o exame justamente porque não vão exercer
plenamente a profissão no país. Eles atuarão no Programa Saúde da
Família, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), sem poder dar plantão em
hospital, fazer cirurgias, anestesias, procedimentos cirúrgicos e
clínicos fora das UBSs.
Além das aparências
Para
alguns estudiosos, a resistência aos médicos cubanos de nada tem a ver
com a qualidade da medicina, mundialmente reconhecida, mas com o regime
político de Cuba. Mestre em História pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP), Felipe Henrique Gonçalves analisa que há
um preconceito com os médicos por serem negros e latinos, mas que o
problema também tem cunho corporativista e elitista.
Em geral,
cursos de medicina são caros, o que torna quase impossível o acesso à
profissão para estudantes de baixa renda, concentrando a profissão nas
mãos de poucos.
Mesmo nas universidades públicas, segundo
levantamento do Ministério da Educação (MEC), 88% das matrículas são
preenchidas por estudantes que vieram de escolas particulares.
Gonçalves
vai além. Para ele, grande parte dos médicos brasileiros são
politicamente conservadores e temem ver na vinda dos médicos cubanos a
perda dos seus privilégios. “A grande verdade é que a classe média não
está mais aguentandover os seus impostos servindo para fazer políticas
de transferência de renda para o Norte e Nordeste”, ressalta o professor
de História.
Para a antropóloga Bernadete Castro, da
Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro (SP), a questão dos
médicos cubanos no Brasil vai além do corporativismo das profissões,
principalmente no caso do CFM que exige o Revalida. “Há um preconceito
muito maior com o regime e a medicina cubana. Cuba tem desenvolvido na
área da medicina preventiva e tem atendido de uma forma muito ampla a
sua população. Inclusive, o Brasil, durante muito tempo, consumiu e
distribuiu vacinas produzidas em Cuba para várias doenças. Este
preconceito é muito mais ao regime cubano e ao desconhecimento da
população em relação a isso”, analisa.
Não é novidade
A
chegada dos médicos cubanos para suprir as necessidades do Sistema
Único de Saúde no Brasil não é algo inédito. Em 1998, mais de uma
centena deles foram contratados pelo Brasil para atuar no Tocantins. Mas
o projeto durou pouco. Em 2005, eles tiveram que deixar o país quando o
Ministério Público do Trabalho entrou com ação alegando que os
profissionais não tinham o devido registro para exercer a profissão.
O
presidente da Associação de Educadores Latino-Americanos (AELAM), José
Marinho de Gusmão Pinto, manteve contato por um bom tempo com a medicina
cubana e é favorável ao acordo entre a Opas e o Ministério da Saúde.
Ele relembrou a participação dos médicos em Tocantins e disse que, como
ocorre nos dias de hoje, “os médicos que eram anticubanos puseram
defeitos, criando problemas” ao projeto e à permanência dos caribenhos
no país.
Em visita ao Brasil para uma série de apresentações, a
dupla de rappers cubanas Las Krudas se surpreendeu com a recepção aos
médicos cubanos. Segundo elas, não é compreensível que alguns
brasileiros não queiram abrir as portas para os médicos de seu país, uma
vez que Cuba é solidária, abre suas portas a outros homens da América
Latina e oferece saúde para o povo.
Segundo Odaymara Cuesta,
integrante do grupo, independentemente do governo e independentemente do
capitalismo ou do socialismo, o importante é a saúde do povo. “É
importante que o médico venha trazer saúde para a periferia e para a
favela, lugares onde o médico rico brasileiro não que ir. Para mim isto é
mais importante que política entre os países”, comenta.
Embora
tenha achado a manifestação dos médicos brasileiros interessante, uma
vez que em Cuba estas ações são proibidas, Olivia Prendes, diz ter se
sentido ofendida já que ela “também representa a saúde cubana”.
Em
entrevista ao Brasil de Fato em uma apresentação em Cidade Tiradentes,
zona leste de São Paullo, a dupla afimou ainda que esta é a primeira vez
que presencia este tipo de aversão à presença de médicos cubanos em
algum país.
“Venezuela, África, Haiti, Angola, Paquistão, em
todos os lugares que está um médico cubano o que sei é que as pessoas
querem que estejam ali porque tratam bem as pessoas e não são médicos
que estão buscando dinheiro; estão pela missão de curar as pessoas”,
ressalta Odaymara.
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