Por Paulo Victor Melo, Jornalista, publicado (30 de junho de 2014) no portal Infonet: www.infonet.com.br
Em meio às atenções da população voltadas quase que exclusivamente para
a Copa do Mundo e para os últimos momentos de definições das alianças
político-eleitorais, uma ação realizada no município de Nossa Senhora da
Glória, na última semana, ganhou repercussão na imprensa sergipana e,
em alguma medida, em nível nacional. Me refiro à ocupação dos microfones
da rádio Xodó FM por integrantes do MST, na quarta-feira passada (25).
Durante trinta minutos, camponeses e camponesas tiveram a oportunidade
de rebater as acusações e ofensas feitas diariamente pelo radialista
Anselmo Tavares. “Corja”, “bandidos”, “ladrões”, “marginais”,
“quadrilha” são alguns dos adjetivos que o apresentador do programa
Jornal da Xodó utiliza para, de forma leviana e irresponsável, se
referir ao MST.
Como era de se esperar, da mesma forma que acontece quando o MST ocupa
terras improdutivas, o ato na Xodó FM provocou uma série de reações
contrárias. Dessa vez, porém, até mesmo setores progressistas da
sociedade se manifestaram repudiando a ação do movimento. Todos
afirmando que a atitude do MST representou uma ameaça à liberdade de
expressão. Aqui, cabem alguns questionamentos: será mesmo liberdade de
expressão utilizar uma concessão pública para difamar uma organização
coletiva? Será mesmo liberdade de expressão usar uma concessão pública
para promover discurso de ódio? Existe mesmo liberdade de expressão
quando a propriedade dos meios de comunicação está concentrada em alguns
grupos políticos e econômicos? A liberdade de expressão deve ser
garantida apenas aos que têm uma concessão de rádio ou televisão e aos
que apresentam programas nessas emissoras? E o direito do MST em negar
todas as acusações de que é vítima diariamente?
São perguntas que não fazem parte da agenda pública de debates em
Sergipe (justamente pela realidade de controle dos meios de informação),
mas que colocam em xeque um suposto conceito de liberdade de expressão
tão reivindicado pelos concessionários de rádio e televisão em momentos
como esse e demonstram que, seja em nível estadual ou nacional, o que há
é uma privatização do espaço público que é o rádio e a televisão. Logo,
uma privatização do direito à liberdade de expressão.
Por isso, mais do que uma espécie de direito de resposta, a ação do MST
ajudou a quebrar o silêncio sobre os meios de comunicação que paira em
Sergipe. Ao ocupar os microfones da Xodó FM, o MST não apenas se
defendeu das acusações que sofre diariamente, mas, acima de tudo,
escancarou o latifúndio da mídia que existe em Sergipe. Latifúndio este
que tem como proprietários e patrocinadores velhas e nem tão velhas
assim oligarquias (ou famílias, se preferir) conhecidas na política
estadual. Os mais antigos foram “beneficiados” na farra da distribuição
de concessões em troca de apoios político-eleitorais, que teve o seu
auge no final dos anos 1980, quando o Ministro das Comunicações era
ninguém menos que o baiano Antônio Carlos Magalhães, um dos maiores
controladores de rádio e TV da história do país. Outros, a partir do
poder econômico do qual desfrutam, perceberam na comunicação um
instrumento estratégico de conquista de poder político e, por isso,
saíram criando ou comprando emissoras de rádio em todos os cantos do
estado.
Importante frisar que essa relação das oligarquias políticas com a
propriedade de rádio e televisão não é exclusividade de Sergipe, mas uma
realidade nacional. Um estudo realizado pelo projeto Donos da Mídia
identificou que mais de 270 políticos são sócios ou diretores de
veículos de comunicação em todo o país. Uma afronta tanto ao Código
Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, quanto à Constituição Federal
de 1988, que proíbem que políticos desempenhem a função de diretor ou
gerente em empresas de rádio e TV, ou ainda que mantenham contratos,
exerçam cargos ou emprego remunerado nestas empresas.
E assim como os latifúndios agrários, o latifúndio da mídia é rodeado
de cercas que, ao longo da história, impediram o acesso do povo
brasileiro em sua diversidade. Cercas como a ausência de debate público
sobre o tema, como a priorização da exploração privada dos meios de
comunicação em detrimento do bem público, como a concepção da
comunicação como mercadoria e não como direito.
Cercas essas que, em favor da democracia, da diversidade e do
pluralismo da nossa sociedade, precisam ser quebradas, inclusive com
ações como a que o MST promoveu na Xodó FM.
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